Um espaço em branco que não pode ser preenchido está piscando à minha
frente. A tela do computador reflete a desolação da falta de palavras. O
relógio está enchendo o silêncio do quarto com seu tique-taque, a última vez
que olhei para ele marcava 1:33 e quando levanto os olhos agora está me dizendo
ser 1:45. O tempo se alonga numa infinitude angustiante do vazio mental.
A casa está mergulhada no completo silêncio da madrugada, nada se move
além dos ponteiros no relógio. Continuo parada diante da tela, a única
luminosidade é a do monitor. Eu tento pensar em algo, mas nada acontece. Ainda
estou presa no desenrolar dos acontecimentos do dia. As provas nas quais não me
sai bem na faculdade, os trabalhos inacabados pendurados em deadlines
extenuantes, as conversas que tive. Apesar desse silêncio em volta a minha cabeça
é uma cacofonia de pensamentos e nada surge deles, nada que me permita
escrever.
Estou há mais de dois meses sem conseguir iniciar nada. Meu último livro
foi bem recebido e muito elogiado, depois daquelas histórias nada mais veio.
Temo ficar presa nesse vazio por tempo demais, talvez eu tenha desaprendido o
jeito. Não adiantam os chás que preparo ou os goles de vinho que me permito
beber.
A cabeça continua voltando nos pequenos dramas do cotidiano. Eu me sinto
puxada para baixo envolta pela pesada cortina cinza da melancolia. Quem escreve
sabe, quando as palavras não vêm inicia-se a tortura. Quase acredito que não
fui feita para ser escritora ou talvez apenas aquela história deu certo e não
haverá mais nada.
A tela continua branca e o movimento do cursor piscando embaralha minha
visão. Estou sendo atingida por uma sequência de bocejos que anunciam a chegada
de mais um entrave, o sono. O que há de errado comigo? Sempre fui notívaga,
agora desabo em sonos incontroláveis.
Levanto e caminho pela casa, sozinha, eu começo a pensar sobre o que
quero escrever. Sobre nada. As palavras não fluem e minha mente é apenas um
punhado de pó no escuro. Eu paro diante a porta da sala, vejo o jardim no fundo
da casa e as formas que as árvores assumem à noite. A única luz que me permite
distinguir as formas é da lua prateada enorme. Sempre amei noites de lua cheia,
mas essa está me deixando angustiada.
Arrasto a porta de vidro e ando pelo jardim, o frio beija meu rosto e
faz a pele arrepiar. Paro em frente à janela do meu quarto e lá dentro vejo a
tela de descanso do computador, uma imagem aleatória se move e no monitor
percebo a presença de um reflexo como se alguém estivesse de pé diante minha
cadeira.
É o sono pregando suas peças, aproximo da janela para tentar entender de
onde vem aquela imagem, não há ninguém no quarto ou em casa além de mim e mesmo
assim o reflexo parece se mover no monitor.
Meus pés estão paralisados e as mãos congeladas. Eu afasto da janela
quase correndo de volta para sala. O medo toma conta de mim, não quero voltar
para o quarto. Não posso. A imagem da silhueta no reflexo parece deslizar pelas
paredes, a sombra vem do quarto, e está cada vez mais rápida. Eu não movo
nenhum músculo, sou tomada por uma paralisia dos mortos.
Acompanhando a sombra deslizante escuto sussurros que logo se tornam
vozes. A sombra para na parede da sala ao meu lado, mal posso mexer os olhos, a
minha respiração está presa na garganta. Eu não consigo respirar, temo estar
morrendo sem ar. Sinto na pele uma frieza tão grande que meus dedos se tornam
arroxeados quando consigo vê-los. As vozes vão adquirindo formas e se tornando
palavras, frases. As palavras escorregam por minha mente como a sombra
deslizante na parede.
Eu sou uma escritora da noite e a minha matéria-prima é a escuridão, a
sombra diz, ela sou eu só que maior. É um fragmento da minha alma, uma parte
viva que passou muito tempo morta, escondida, presa.
Ela deixa a parede e ganha a forma necessária para me tocar, é uma sombra
e me engole. As vozes ecoam, imagino a Lua Cheia abrindo uma boca e me tragando
para dentro do seu solo sem gravidade. Estou com os pés fora do chão.
Quando a luz do dia invade o céu, estou sentada diante o computador, a
cabeça lateja e as costas me matam de dor. Olho para a tela, o branco da página
está coberto de palavras aleatórias que se encaixam perfeitamente. A história é
sobre essas vozes do escuro, quem poderá compreendê-las? Quem além de mim mesma
que enquanto o Sol está exposto não tenho sombra?
Releio o que escrevi sem me recordar como fiz isso. Eu fui uma escritora
da noite e a minha matéria-prima é a escuridão. Não tenho certeza sobre o que
leio, não sei se me agrada, mas me assusta, redescubro o propósito de estar
viva e quando encosto minha cabeça no travesseiro para tentar me recompor da
última madrugada, vejo a silhueta refletida na tela do monitor desligado. Ela
se acomoda no reflexo da cadeira também refletida, e por um instante consigo
mergulhar na paz da escuridão do sono sem sonhos. Talvez eu tenha dormido
sorrindo.